Jornal USP Ribeirão Preto – Ferraz Jr.
Especialistas afirmam que Nova Lei do Ensino Médio pode tirar o Brasil do atraso econômico, mas precisa de planejamento para garantir eficácia
A Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sofreu uma nova alteração com a aprovação em julho deste ano, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 5230/23, conhecido como Novo Ensino Médio. Trata-se da reforma da reforma, que entra em vigor em 2025 e promete mudar a vida e a perspectiva profissional de mais de 7 milhões de estudantes brasileiros. Uma das principais mudanças diz respeito ao aumento da carga horária do ensino regular de todo o ciclo do Ensino Médio. Apesar de comemorado por especialistas, o projeto de lei traz preocupações na oferta do ensino técnico profissionalizante.
Com a nova lei, o Ensino Médio regular oferece carga horária mínima prevista de 2,4 mil horas nos três anos para as disciplinas tradicionais, como Matemática, Português, História, Geografia, Química e Física, além de 600 horas de matérias optativas com mais aulas de Matemática e, ainda, Linguagens, Ciências Humanas e da Natureza totalizando 3 mil horas no total. Essa opção é para o aluno que não vai para o ensino profissionalizante.
Já a carga horária do ensino técnico para o aluno que optar pelo complemento do estudo com o profissionalizante será composta de 2.100 de horas de aulas com currículo igual para todos os alunos e 900 horas de aulas que ensinam uma profissão, os chamados itinerários formativos.
Os especialistas dizem que o grande problema é fazer com que as escolas do Ensino Médio ofereçam o ensino profissionalizante, levando-se em conta, principalmente, que 51% do total de municípios brasileiros, ou seja, 2.831 municípios, possuem apenas uma escola pública de ensino médio, e a maior parte delas está em cidades com os menores índices de desenvolvimento econômico, segundos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Esse é um problema que requer planejamento e alinhamento de ações que envolvam o Ministério da Educação, os Estados e os municípios, segundo o professor Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados de Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP. “É uma questão muito delicada que vai demandar muito planejamento entre a demanda local e a oferta do Ensino Médio técnico profissionalizante. É uma modalidade que não é barata e que não basta apenas oferecer qualquer Ensino Médio técnico. É muito importante que o aluno egresso dessa modalidade possa ter acesso ao mundo do trabalho”, afirma.
Para que se torne viável o Ensino Médio técnico de qualidade, o professor defende parcerias. “Considerando o custo dessa implementação, eu entendo que ao invés de implementar em todas as escolas é melhor identificar aquelas que tenham vocação por essa modalidade e fazer parcerias, por exemplo, com o Senai, que é uma referência nessa área, com institutos federais tecnológicos, o Sesc”, analisa.
Impacto na economia
A integração da educação profissionalizante com o Ensino Médio é muito importante para o Brasil, segundo a presidente da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz. “No Brasil, apenas 11% dos estudantes do Ensino Médio fazem o ensino profissionalizante. A demanda é de 40%, portanto nós temos muito mais estudantes querendo fazer o ensino profissionalizante do que aqueles que são atendidos por essa modalidade.”
Na comparação com outros países, ela diz que a média na América Latina de estudantes do Ensino Médio que fazem o profissionalizante é de 20% e nos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a média é de 40%. “E chega a mais de 50% em países desenvolvidos como Áustria, Suíça e Alemanha”, complementa o professor Ramos.
O Brasil precisa se planejar para ter resultados positivos no Ensino Médio profissionalizante no médio e de longo prazo, como sugere o professor. “Isso vai ser muito importante para o Brasil, porque de cada 100 jovens que concluem o Ensino Médio, apenas 22 chegam ao ensino superior. Então, o que fazer com esses 78 jovens? Se eles tiverem o Ensino Médio profissionalizante, eles vão ter uma outra chance do ponto de vista do seu desenvolvimento humano.”
O ensino profissionalizante pode ter efeito extremamente positivo na economia do País, segundo o professor Neves. “Vários estudos mostram que o ensino técnico profissionalizante causa um impacto muito positivo na produtividade de um país, na redução daquele grupo chamado nem-nem, que nem estudam, nem trabalham, diminuindo por consequência a taxa de homicídio juvenil.”
Para o professor, é importante que o Brasil leve a sério a questão do Ensino Médio profissionalizante. “Um recente estudo do Itaú Educação e Trabalho mostrou que o PIB brasileiro pode crescer 2,32% se a gente triplicar o acesso ao Ensino Médio técnico. E quando a gente compara os alunos que concluem essa modalidade, eles ganham em média 32% a mais que os alunos que concluem o Ensino Médio regular. Então são só vantagens”, afirma.
Segundo Priscila, como toda lei, é preciso que ela seja implementada. “A gente tem no Brasil uma série de ótimas leis, mas que depois não são bem implementadas. Com a lei do Novo Ensino Médio não é diferente. O que essa lei coloca é a possibilidade de uma Secretaria Estadual de Educação bem gerida dar saltos de aprendizagem e de qualidade na rede de ensino.”
São Paulo
O Estado de São Paulo se prepara para enfrentar o desafio de oferecer o Ensino Médio profissionalizante. Segundo Daniel Barros, chefe da Coordenadoria Pedagógica (Coped) da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP), pesquisa realizada com alunos do primeiro ano do Ensino Médio de todo os Estados, em abril deste ano, revelou que 71% estão interessados em fazer o itinerário de ensino técnico profissionalizante.
“Aqui no Estado, os alunos escolhem o itinerário técnico profissionalizante no primeiro ano do Ensino Médio e fazem esse itinerário no segundo e no terceiro ano”, assegura. São oferecidos três itinerários: área de exatas, área de humanas e o itinerário técnico que, por sua vez, oferece nove opções. Em 2023, segundo Barros, havia 30 mil alunos matriculados no ensino técnico integrado no Ensino Médio tradicional. Este ano, o número de alunos que escolheram as duas modalidades subiu para 75 mil alunos e a previsão para 2025 é que cerca de 170 mil alunos se inscrevam para fazer o Ensino Médio junto com o técnico profissionalizante.
“Até 2023, todas as escolas que ofereciam ensino técnico junto com o profissionalizante tinham parcerias com o Centro Paula Souza, escolas técnicas privadas. Mas a partir de 2024, o foco passou a se capacitar as escolas de Ensino Médio com a contratação de professores específicos”, adianta. Um concurso público está aberto com inscrições até 5 de agosto para contratação de 3 mil professores e garantir o ensino no próximo ano. “Mas ainda vamos manter convênios com o Centro Paula Souza, as escolas técnicas públicas e privadas e com o Senai, que passa a ser nosso parceiro”, conclui.